top of page
Foto do escritorRafael Cabral

FUGA



Escapou da corda que a segurava e saiu correndo sem rumo. Eram muitos estímulos, sons e cores. A sensação era como se tivesse vivido dentro de uma espaçonave por anos e agora estava colocando o pé para fora em um planeta desconhecido.


Não tinha noção de tempo, apenas uma noção biológica do que precisava fazer. Depois de tanto tempo presa, aquele momento, agora, era de explorar. Correu até acabar o ar e descansou na sombra de uma árvore. Decidiu que se ia viver assim, com tanta liberdade, que deveria fazer as necessidades ali mesmo e assim o fez. Era como se estivesse marcando um território para mostrar ao mundo que esteve ali. Finalmente alcançou a autonomia.


Continuou sua jornada. Passou por prédios, pessoas, cachorros e pássaros. Sentiu cheiros maravilhosos, nostálgicos e fortes. Azul, amarelo e roxo. Estava vendo o mundo pela primeira vez, por isso tinha uma certa ingenuidade no seu olhar. Só conhecia um pequeno mundo em que não tinha sido maltratada, por mais que estivesse em cativeiro.


Se aproximou de um cachorro errado e assim começou a desventura. Tomou uma mordida, que a fez correr com uma dor imensa. Foi xingada por um homem que a confundiu com outra. Teve que se esconder em um canto escuro e sujo, ser vizinha de ratos. Começou a sentir fome e falta de afeto. Não tinha dinheiro e nem ideia de como conseguir. Perambulou pela noite. Por mais que estivesse aliviada com o volume mais baixo dos ambientes, algo a dizia que o perigo estava à espreita.


Foi depois de andar por 10km, com dor e fome, que avistou uma luz forte debaixo de uma ponte. Se aproximou aos poucos, com receio do que encontraria e lá estava uma outra mulher, mais velha, magra, com cabelos bagunçados, se esquentando em uma fogueira, ao lado de uma barraca.


– Oi, querida, quer sentar aqui?


Ela não tinha respostas. O dia tinha sido longo e uma constante quebra de expectativa.


– Está assustada, né? Fique tranquila. Pode sentar aqui, vou te servir uma comida e você pode dormir com a gente hoje.


Ao abrir sua barraca, ela viu três outras que nem ela. Calmas, felizes e tranquilas. A mulher lhe serviu um pouco de comida, as outras três saíram e fizeram festa para a chegada da nova amiga. 


– Você não fala, né? Vou te chamar de Quieta. Essas são a Gabi, Sandrinha e Russa. Elas falam bastante.


Nem tudo estava perdido agora, tinha encontrado um novo lar. Um novo nome. Novas amigas parecidas com ela. A comida era tão boa quanto a que comeu a vida toda. A barraca era aconchegante e a companhia agradável. Dormiu bem. Acordou bem. Foram três dias assim, ela, a mulher velha e as outras três. Esqueceu totalmente da vida anterior, só lembrava da vida atual em que tinha tudo o que precisava. Até um dia em que acordou com novos barulhos e o som da mulher chamando todas, que ainda dormiam na barraca.


– Bora meninas, vamos que não podemos ficar aqui, se não vai sobrar pra mim. Corre!


Ficou confusa com a saída repentina. Seguiu as outras, correu como se estivesse correndo quando se libertou. Mas não seria essa a sua nova vida? Já tinha se adaptado. Estava feliz. Não entendeu que liberdade era aquela para precisar correr de novo. Durante o novo caminho, ouviu a mulher chorar. Se comoveu com a tristeza dela, mas não sabia como se expressar. A mulher dizer que não sabia para onde ir agora que levaram tudo que ela tinha. As outras meninas sabiam o que dizer. Já ela não.


– Belinha?


Olhou para frente. Ignorou o choro da velha. Aquele cheiro ela reconhecia. E gostava.


– Belinha? É a Belinha! Moça, essa cachorra é minha!


A mulher velha argumentou que ela tinha aparecido em uma madrugada e adotou a cachorra, mas que não era dela. Estava chamando ela de Quieta, porque ela não latia e era bem calma. Aos prantos, Renata encontrou sua cachorrinha Belinha, uma mistura de Shih Tzu com viralata.


– Eu pago tudo o que você quiser, por favor, devolva minha Belinha!


A mulher velha cobrou qualquer valor que ajudasse ela a encontrar um lugar para passar as próximas noites com suas cadelas Gabi, Sandrinha e Russa. Saiu feliz e agradeceu a Belinha. Ela voltou para casa, depois de ter explorado o mundo. Quando chegou, explorou todos os cantos como se fosse  a primeira vez de novo. O cheiro tinha mudado. Deviam ter lavado sua cama. Deitou para dormir e acordou presa numa corda do lado de fora da casa, sem companhia, sonhando com um dia em explorar aqueles estímulos, sons e cores, que passavam pelo portão.


3 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

BUNKER

QUEDA

PABLO

Comentários


bottom of page