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PABLO

  • Foto do escritor: Rafael Cabral
    Rafael Cabral
  • 20 de fev. de 2024
  • 3 min de leitura

Pablo resolveu que hoje ia sentar para escrever.

Talvez fosse mais fácil se não tivesse uma obra do lado, um gato velho no colo, um pianista no andar de cima, uma ligação que mudaria seus planos de vida que podia acontecer a qualquer momento e uma ansiedade que batia forte no peito porque tinha terminado seu café e via a página em branco.

Ele estava conformado que podia não sair nada no papel, mas hoje,  ele resolveu que ia sentar para escrever. Talvez se ele escrevesse alguma metalinguagem sobre a falta de ter ideias como um primeiro texto o ajudasse, mas Pablo não sabia muito bem como traduzir em palavras as ideias que percorriam na sua cabeça.

O nosso amigo Pablo não tinha esse hábito da escrita. Ele lia as coisas, achava elas interessantes e tinha uma vontade escondida em fazer a mesma coisa. Largou o emprego para escrever e sempre se imaginava escrevendo no campo, no barulho ou em qualquer situação, mas agora não sabia nem por onde começar… Será que ele sabe usar bem as palavras? Será que ele sabe escolher a pontuação certa para as frases! Pablo não fazia ideia de nada. Só decidiu que naquele dia e naquela hora ele ia escrever.

– Escrever sobre o que? - perguntou sozinho.

Nem ideia ele tinha. Até que tinha, mas as ideias estavam escondidas ainda, com medo de sair, porque ele não podia controlá-las.

Pablo era um controlador-ansioso.

– Preciso escolher o nome das personagens - começou a falar - Carla não, porque é o nome da minha ex-mulher, ela vai pensar que é para ela. Bonifácio não, porque é o nome do amigo do meu pai. Pode ser Pablo, que é o meu nome, mas não sei se vai parecer muito egóico da minha parte. Se bem que tem um traficante colombiano com esse nome. Melhor não abusar. Talvez invente um nome. Vou inventar um nome.

Pablo nesse momento parou de escrever e ficou pesquisando por horas nomes que não existem. Pensou em chamar suas personagens com emojis e símbolos, mas concluiu que não sabia como funcionavam os direitos desse tipo de arte (ele também não sabia se emoji podia ser considerado arte). Pablo queria escrever uma história épica, daquelas com três protagonistas adolescentes que viraria uma franquia de filme e um novo universo. Ele sabia de todos os finais, só não tinha pensado no começo. Nosso colega Pablo então se distraiu olhando a tela em branco, parou por coisas externas, fez um desenho, desistiu de escrever quando leu o que já tinha escrito. 

Poxa Pablo, a gente pensou que dessa vez você ia até o fim.

– Oi?

Pablo ficou confuso. Olhou para os lados e procurou uma voz. 

– Tem alguém aqui? Mariana, é você? Quem tá falando?

– Eu, hein?

MIAUUU

– Já tô indo, gato folgado. Quer comida? Ninguém te ama.

TRIIIIMMM

– Alô? Que susto. Oi Mari, eu pensei que você tinha chegado em casa, comecei a escutar umas coisas mais cedo… Não, eu sei que você chega só amanhã, Mariana. Eu tô aqui cuidando desse gato velho e você ai. Não, tá tudo certo, a gente tinha combinado, eu lembro. É que eu tô cheio de coisas para fazer, caramba. Você fica me ligando e isso atrapalha… Não tem que pedir desculpas! Não vem com essa agora pra cima de mim! Tá…. Tô… Ah, entrou algumas coisas de trabalho e eu terminei de escrever já aquelas ideias… Ah, mais ou menos, tô meio sem ideia. Tá bom. Tá bom pode ser! Beijo, tá. Eu também.

– Bosta… Ai… Calma… Droga… Ai.

CRASHHH TUMMM MIAUUU

Pablo caiu no chão da cozinha e morreu. Talvez se tivesse me ignorado e não tivesse atendido a ligação estaria vivo, mas esse não era o nosso herói. Pablo queria escrever uma história trágica com reviravoltas, plot twists e personagens com várias camadas, mas teve seu fim em uma poça de café, entre cacos de uma xícara de brinde do escritório que trabalhava e um gato velho que não gostava, que ficou lambendo sua testa. No dia seguinte, sua esposa chegou em casa, pronta para o divórcio e com um certo alívio de ver aquele homem morto no chão.

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